Sthefanie Louise
Para botar o papo em dia com um grupo de amigas, marquei de ir a um bar numa sexta à noite de calor atípico em setembro. Chegando lá, pedi um gim-tônica, daqueles cheios de alecrim, limão-siciliano e pepino, só que sem gim. O pedido fora do comum causou espanto entre minhas amigas na mesa, que estão acostumadas a me ver beber alguns bons drinques quando nos encontramos, mas que ainda não sabiam que estou grávida. A garçonete, também espantada, indicou que seria muito mais barato se eu pedisse só a tônica, sem o invólucro de drinque. Mas não era sobre economizar, era sobre o ritual que o ambiente e a circunstância pediam, quase ordenavam. Fazia tempo, antes mesmo da gravidez, que eu queria dar uma pausa nesse ciclo vicioso. Estava cansada da ressaca física e moral que sempre me atormentou no dia seguinte, estava cansada da falta de controle, do inchaço e ainda mais cansada da imposição do consumo de álcool em qualquer socialização que eu frequentasse, de um evento de trabalho a uma festa com amigos. Apesar de eu ter cessado a ingestão de álcool por uma causa maior, existe um movimento grande de pessoas que também estão seguindo por este caminho: parar ou diminuir consideravelmente o consumo de bebidas alcoólicas. Mas por quê?
Se há 20 anos assistíamos a ídolos da cultura pop, como Lindsay Lohan, serem preos por dirigirem bêbados e terem suas fotos na delegacia estampadas em camisetas como mártires de uma época, hoje é difícil encontrar celebridades que não se coloquem publicamente sobre assuntos como saúde mental e incentivem um estilo de vida equilibrado. Tanto para os famosos quanto para os anônimos, ficar bêbado tem um risco muito maior nos dias atuais por causa dos smartphones e das redes sociais. “Entre os motivos que influenciam as gerações mais novas, como os late millennials e a geração Z, que já nasceram com a internet, beber menos é a consciência dos riscos de seu comportamento embriagado ser filmado e permanentemente incorporado nas redes sociais. As pessoas não tinham essa consciência no passado, que imagens podem permanecer online para sempre, isso sem falar do potencial que qualquer conteúdo tem de viralizar hoje em dia, sendo a pessoa uma celebridade ou não”, explica a especialista em tendências Iza Dezon, CEO da consultoria Dezon.
Beber perdeu seu status cool entre os jovens, e movimentos de sobriedade ganharam força pelo mundo, principalmente depois da pandemia quando, ao mesmo tempo em que houve um aumento no abuso de álcool e drogas – o que chegou a fazer com que a OMS (Organização Mundial de Saúde) recomendasse que os países limitassem a venda de bebidas alcoólicas –, nós também passamos a ter muito mais acesso a informações sobre saúde e bem-estar, e a buscar mais qualidade de vida. “Estamos mais conscientes dos malefícios que o álcool pode causar. Ele tem um efeito tóxico sobre o metabolismo celular, e o seu consumo excessivo a longo prazo pode acarretar problemas para diversos campos do corpo humano.
Entre as áreas mais afetadas estão o sistema nervoso central, pois ele gera um processo oxidativo nessas células, e o fígado, que sofre lesões agudas pela molécula do álcool. O consumo alcoólico pode levar ainda ao desequilíbrio na microbiota intestinal, à diminuição da imunidade, desencadear quadros de ansiedade, entre outros sintomas negativos”, explica a médica endocrinologista Isabela Bussade.
No Reino Unido, o movimento “Dry January” (Janeiro Seco, em português) incentiva uma pausa de um mês no álcool para refletir sobre esse consumo. A escritora norte-americana Ruby Warrington também estimula reduzir ou parar de ingerir bebidas alcoólicas de tempos em tempos com seu movimento “Sober Curious” (Sóbrio Curioso, em tradução livre). “A cada três meses, fico 30 dias sem beber. Sempre desincho, durmo melhor, me sinto bem”, conta Néli Pereira, jornalista, mixologista e dona do Bar Zebra, na capital paulista. Apesar de trabalhar na área, a especialista sabe a necessidade da moderação e é adepta da sobriedade ocasional.
Ela explica que, no Brasil, nossa relação com o álcool está muito ligada ao consumo excessivo e acredita que os bares precisam parar de pensar no óbvio ao oferecer coquetéis que não utilizam a substância, também conhecidos como mocktails. “O álcool tem uma potência de sabor que pode e deve ser reproduzida com outros ingredientes. Acho que a demanda do público desta vez vai acabar impulsionando os bartenders a se empenharem mais.” Em seu bar, Néli utiliza matéria-prima brasileira, como cajuína, catuaba, água de coco e chás de ervas, além de suas famosas garrafadas, infusões de plantas, cascas e raízes com sabores semelhantes ao universo de amaros, vermutes e bitters, que temperam os coquetéis. Ela separa ainda alguns ingredientes só para os mocktails, para incentivar esse consumo.
Além de ingredientes para reproduzir a complexidade do álcool sem as desvantagens que ele pode trazer, a indústria, que viu o setor de bebidas com baixo teor alcoólico ou sem álcool crescer 506% desde 2015, segundo relatório da consultoria Nielsen, não perdeu tempo e reagiu. No Brasil, um dos países mais cervejeiros do mundo, a venda de cerveja sem álcool cresceu 30% no ano passado. Nos Estados Unidos e em países da Europa, já é comum encontrar também vinhos e destilados sem nada de álcool, assim como as bebidas de baixo teor alcoólico, chamadas Low ABV. Alguns exemplos são o gim Beefeater Botanics, com 27,5% de teor alcoólico, em comparação aos 47% da versão original, os spirits Seedlip, da Diageo, e a tequila da Ritual Zero Proof, ambos sem álcool (que ainda não chegaram ao Brasil). Porém, a grande novidade nas gôndolas estrangeiras são os batizados de social elixirs. Assim como vimos acontecer com leites, hambúrgueres e até ovos de origem vegetal, a moda agora são as bebidas à base de plantas com características funcionais, como adaptógenas, botânicos, ervas, raízes, CBD e cogumelos. Personalidades que nunca esconderam sua relação difícil com o álcool ou que são defensoras de um lifestyle saudável aproveitaram a deixa e lançaram suas próprias receitas, como é o caso das marcas De Soi, fundada por Katy Perry, Kin Euphorics, que tem Bella Hadid como uma das sócias, e Betty Buzz, de Blake Lively. “Essa onda das bebidas adaptógenas é a volta para a essência dos ingredientes. Várias áreas passaram por isso, a gastronomia, a confeitaria e agora a mixologia”, explica
Vini Marson, dono do Nômade Bar, em São Paulo e um dos maiores pesquisadores brasileiros do tema. As bebidas adaptógenas trazem uma promessa a mais: promover o bem-estar agindo em alguns sistemas importantes do organismo, como o sistema nervoso central, em que atuam diminuindo o estresse e a ansiedade e estimulando sensações de alegria, energia e até euforia – sem ressaca no dia seguinte. Entre os ingredientes que proporcionam esses sentimentos estão ginseng, ashwagandha e cannabis (veja o quadro na página ao lado), utilizados há milhares de anos pelas medicinas chinesa e ayurvédica. São denominados dessa forma porque se adaptam às necessidades do corpo para ajudá-lo a manter o equilíbrio.
Caroline Rocha Falcetti, fisioterapeuta e pesquisadora de medicina integrativa com foco em ayurveda e de plantas medicinais ayurvédicas, explica que os ingredientes adaptógenos precisam ter três características específicas: ausência de toxicidade, uma função de modulação do metabolismo e proporcionar a resistência do organismo frente a fatores estressantes. Em razão dessas propriedades, a especialista vê essa nova moda com cautela. “Cada ser humano é único e apresenta necessidades diferentes ao longo da vida. Essas plantas possuem ações específicas e podem apresentar algum efeito colateral. Além disso, você pode pagar por um determinado efeito e não obtê-lo em termos de ativos e funcionalidade. Por isso, é preciso ficar de olho no que estará ingerindo”, explica.
No Brasil, começam a surgir iniciativas como a marca de chás Infusiva, que criou blends com diferentes propósitos e que podem ser tomados como drinques em restaurantes como o Mocotó. Além de uma loja própria, em breve os chás poderão ser encontrados em mercados como o Santa Luzia e restaurantes como o Mocotó, ambos em São Paulo. Claro que os jovens ainda gostam de substâncias que alterem o estado de consciência como as gerações anteriores, tanto que pesquisas apontam uma possível relação com o declínio atual no consumo de bebidas alcoólicas com a descriminalização da cannabis recreativa e de substâncias derivadas da planta pelo mundo. “Percebemos que, nos países onde a cannabis é liberada, bebe-se menos. Na Holanda, estabelecimentos que vendem maconha não podem vender álcool, por exemplo. Sabendo disso, o mercado está investindo na planta. Já existe bebida com THC e CBD”, explica Viviane Sedola, CEO das empresas Dr. Cannabis e Cannect, que formam um dos maiores grupos de acesso à cannabis medicinal no Brasil. Será assim para sempre? Provavelmente não. A vida nos ensinou que as tendências são cíclicas e às vezes inesperadas. Por enquanto, porém, estou feliz por estar livre da ressaca.
Social Elixirs: 4 opções de bebidas à base de plantas
Bebidas à base de plantas com características funcionais ganham as gôndolas internacionais. Daa ashwagandha ao ginseng, conheça os ingredientes nos rótulos dessas fórmulas:
Rhodiola Rosea
Embora ainda não se conheça o motivo concreto porque isso acontece, vários estudos comprovam que esta planta diminui a fadiga, aumentando o desempenho tanto em tarefas físicas como mentais.
Para provar: High Rhose, Kin Euphorics (kineuphorics.com)
Kin Euphorics
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Ashwaganda
A planta possui substâncias na sua composição que ajudam a normalizar os níveis de cortisol, diminuindo os sintomas do estresse e da ansiedade, como agitação, nervosismo, cansaço mental ou dificuldade de concentração. Não é indicado para mulheres grávidas.
Para provar: Blueberry Ginger, Moment (drinkamoment.com)
Blueberry Ginger, Moment
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Maca
A raiz natura do Peru possui substãncias com propriedades estimulantes, tônicas e antidepressivas e, por isso, é considerada um poderoso estimulante sexual. Alguns estudios também sinalizaram o poder desse ingrediente no alívio dos sintomas da menopausa.
Para provar: Golden Hour, De Soi.
Golden Hour, De Soi.
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Ginseng
Por possuir ação adaptogênica e antioxidante, esta erva estimula a produção da dopamina, um neurotransmissor que promove o bem-estar geral, diminuindo o estresse e a ansiedade e aumentando a sensação de prazer e a libido.
Para provar: Organic Sport Energy Drinks sabor Pitaya, Nooma (drinknooma.com).
Organic Sport Energy Drinks sabor Pitaya, Nooma
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