Ele é o mais atemporal dos tecidos, mas também sensível às tendências. É o melhor tecido feito para durar, mas é intencionalmente desgastado no processo de fabricação. Ele espetacularmente se aprimorou, mas sua produção ainda é bastante prejudicial. O jeans é cheio de paradoxos.
Nos últimos anos, a fabricação de jeans deu mais passos para melhorar sua pegada de carbono do que qualquer outra categoria de vestuário. “Não podemos comparar a maioria da produção de jeans [de], digamos, 15 anos atrás com o que é possível e disponível hoje”, diz Adriana Galijasevic, CEO da Cocircular Lab, que ela fundou após quase uma década na G-Star Raw ao trabalhar no desenvolvimento e sustentabilidade do jeans.
No entanto, embora a fabricação de jeans esteja categoricamente mais limpa do que há 10 a 15 anos, o consenso é que ainda não está limpo – ou eficiente em água ou energia – o suficiente.
A fabricação do jeans, há muito tempo, é dominada pelo algodão cultivado industrialmente, pela produção intensiva de água e pelos processos de tingimento ecologicamente prejudiciais. No final do século 20, quando o estilo passou a ter precedência sobre a utilidade, produtos químicos e processos como lavagem ácida e jateamento de areia – que usam exatamente as técnicas que seus nomes sugerem – os danos cresceram. Dado o quão durável o tecido jeans foi criado para ser, muito é necessário para arruiná-lo com precisão e velocidade.
Em resposta a uma onda de publicidade negativa, marcas e fornecedores trabalharam duro para reduzir o uso de água, enquanto experts em inovação surgiram com soluções para reduzir outros impactos: corantes de base biológica e substitutos a laser para produtos químicos de acabamento, por exemplo.
Jateamento de areia e lavagem ácida podem ter ficado no passado, mas outros problemas persistem. Produtos químicos perigosos ainda são usados ou liberados no meio ambiente; o setor ainda é um grande usuário de água e energia; e práticas de fabricação aprimoradas não abordam o crescente problema de desperdício do jeans ou o impacto líquido de produzir demais em primeiro lugar.
Mais fundamentalmente, a dinâmica da indústria permanece relativamente inalterada. Tendências e preferências de design continuam superando as métricas de sustentabilidade; fornecedores operam com margens baixas; e a tomada de decisões de muitas empresas é orientada por necessidades e interesses financeiros – e não pelas necessidades e interesses do planeta.
Com base em mais de duas dúzias de entrevistas com marcas, fornecedores, associações do setor e analistas, o Vogue Business encontrou progresso que pode ser melhor descrito como progresso fragmentado.
Um problema fundamental é que não há bancos de dados para rastrear o uso de água do setor do jeans, nenhuma agência que monitore os produtos químicos aplicados em roupas ou despejados de fábricas e nenhuma instituição para determinar, com autoridade, se o setor está indo na direção certa.
“Não temos uma ferramenta em nosso setor que meça tudo”, diz Andrew Olah, fundador da Transformers Foundation e Kingpins, uma feira para a cadeia de suprimentos do jeans. A falta de dados dificulta qualquer capacidade de estabelecer um patamar de pegada ou medir o progresso, bem como avaliar a significância ou impacto de qualquer iniciativa específica voltada para a sustentabilidade. “A menos que haja dados, você não tem nada em que acreditar. Zero.”
A Transformers está trabalhando para criar uma ferramenta que, segundo Olah, preencherá essas lacunas. “Seremos capazes de fornecer os dados que todos estão procurando”, diz ele. Chamada de Transformers Transparency Tool, ele espera que a ferramenta esteja pronta até 2024.
As etapas intermediárias do ciclo de vida do jeans – produzir e tingir o tecido, depois desbotar e desgastar, também conhecido como lavagem e acabamento da peça – são em grande parte responsáveis por sua reputação negativa. A produção de algodão também tem grandes impactos sobre o meio ambiente, a saúde e os direitos humanos, mas essas são questões que todas as indústrias que usam algodão devem abordar.
Ao buscar purificar o jeans, a água tem sido uma prioridade para a indústria, e muitas empresas reduziram significativamente seu uso de água na produção do denim.
A Levi Strauss & Co desenvolveu uma série de processos de acabamento para reduzir a quantidade de água usada durante a fase de desgaste – como amaciar jeans com bolas de golfe, em vez de usar amaciante, por exemplo. Até o final de 2020, 67% de todos os seus produtos eram feitos com essas técnicas (chamadas Water<less) ou em instalações que atendem às suas diretrizes, de acordo com o relatório de sustentabilidade da empresa. A empresa usa cânhamo algodoado – uma mistura de algodão e cânhamo amolecido, que usa consideravelmente menos água para crescer – em um número crescente de produtos, após desenvolvê-lo com um processo iterativo que abrange pelo menos quatro estações. “Foi preciso muita pesquisa e desenvolvimento para fazer o algodoado de cânhamo”, diz Paul Dillinger, chefe de inovação global de produtos da Levi’s. “Estou muito orgulhoso disso porque não foi apenas a integração do algodoado de cânhamo em uma forma confortável e vestível, mas a demonstração que é possível fazer com que uma empresa de moda mantenha o foco em uma trajetória de projeto de vários anos – que não sejamos facilmente distraídos, como muitas vezes somos acusados”.
O cânhamo, juntamente com o algodão orgânico e cultivado de forma regenerativa, oferece economia potencial de água e outros benefícios ecológicos ao nível da fazenda, também está ganhando força com outras marcas, incluindo Boyish, Outland Denim e Nudie Jeans, e fornecedores como Candiani, Orta e Cone Denim, sediado nos EUA.
Enquanto isso, as lavanderias industriais revolucionaram a fabricação de jeans com sistemas de reciclagem de água mais eficientes e tecnologias de ozônio e laser, diz Nicolas Prophte, vice-presidente de fornecimento, produção e inovação de jeans da Tommy Hilfiger. “Isso nos permite criar lindas lavagens com menos de 10 litros de água por calça em comparação com aproximadamente 85 litros há 10 anos.”
A Kontoor, dona da Lee e da Wrangler, diz que começou a acompanhar os esforços de economia de água em 2008 e tem como meta economizar 10 bilhões de litros de água até 2025. Entre as tecnologias que destaca estão o acabamento com ozônio, que pode substituir o uso de alvejante para descoloração, reciclagem avançada e descarga zero de líquidos.
Apesar do progresso, a pegada hídrica do jeans continua sendo uma questão premente. As fábricas de jeans ainda usam produtos químicos e processos como alvejante, formaldeído, anilina e permanganato de potássio, que são extremamente perigosos para os trabalhadores que o aplicam. Acredita-se que o índigo em pó ainda seja bastante comum, principalmente na China. E a maior parte do jeans é produzida em países com escassez de água ou com restrição de água, como Bangladesh, Índia, Turquia e China, que exportam grande parte para varejistas e consumidores em países mais ricos e com mais água.
Pode ser necessário um pensamento mais radical. “Quando você está falando sobre eficiência de recursos – por que você precisa usar água doce [totalmente]?” diz Sanjeev Bahl, fundador e CEO da fabricante de jeans Saitex. “Pessoalmente, acho que a conversa está indo na direção errada. Deveríamos estar falando sobre produtividade radical de recursos em vez de sustentabilidade.”
Em janeiro, a Saitex abriu uma fábrica no Vietnã que coleta e filtra efluentes industriais para reutilização em sua própria produção. A empresa afirma que isso permite que a usina opere sem usar água doce. Ela construiu um protocolo de química verde e agora testa seu lodo – o resíduo frequentemente perigoso produzido pelas fábricas de jeans – a fim de garantir que seja limpo o suficiente para queimar para produção de energia no local. A Saitex diz que a pegada hídrica dos 18.000 pares de jeans que produz diariamente caiu de 80 litros para 1,5 litro cada.
A Saitex é um dos poucos fornecedores, juntamente com outros, incluindo Candiani na Itália, Orta na Turquia, Crescent Bahuman no Paquistão e Arvind na Índia, liderando a eficiência da água e outras áreas de impacto do jeans.
“Quando uma marca promete reduzir sua pegada hídrica em 25% – não é a grife, são os fornecedores que farão isso acontecer… A cadeia de suprimentos está por trás de todas as grandes promessas e todos os grandes lançamentos das marcas”, diz Miguel Sánchez, engenheiro têxtil e líder de tecnologia da mostra Kingpins.
Isso é verdade para muitas outras soluções que prometem reduzir os impactos do jeans. Para transformar o processo de tingimento do índigo, tradicionalmente uma das etapas mais problemáticas na produção de jeans, muitos fabricantes mudaram de índigo em pó para índigo pré-reduzido, que é menos perigoso, mas é necessário mais dele.
A fábrica de jeans turca Orta diz que seu processo Indigo Flow reduz a água usada durante o tingimento em 70% e, também, pode aliviar a carga de produtos químicos liberados para o tratamento de águas residuais. A Saitex conta que criou um sistema de banho de corante que tem uma pegada de carbono 90% menor e usa 30% menos água do que os métodos convencionais.
Em 2020, a Candiani lançou o que chama de primeiro jeans stretch compostável do mundo. O elastano comumente usado em jeans stretch – e praticamente todas as roupas elásticas – é à base de petróleo e um grande desafio tecnológico para substituir por alternativas vegetais. A versão de Candiani, chamada Coreva, é derivada de borracha natural e é usada por marcas como Boyish, Denham e Outerknown.
Algumas soluções não encontram tanto sucesso, ou demoram para se realizar.
A fabricante de jeans paquistanesa Crescent Bahuman introduziu recentemente uma técnica para criar diferentes tons de jeans que, segundo ela, pode eliminar o uso de índigo e reduzir os produtos químicos usados posteriormente para clareá-lo. “Criamos alguns tons de azul muito bonitos, mas não acho que a comunidade compradora esteja pronta para adquiri-lo. Apresentamos em abril e acho que não vendemos um único metro”, diz Zaki Saleemi, vice-presidente de estratégia, sustentabilidade e inovação da Crescent. “Há muita incerteza no mercado. Ninguém quer fazer uma primeira tentativa. Todo mundo quer ficar onde está seguro.”
O custo é outra grande restrição. Atualizações de equipamentos, investimentos em novos produtos químicos e processos de fabricação e a instalação de energia renovável ou tecnologias de tratamento de água são empreendimentos de capital intensivo. As marcas raramente fornecem apoio financeiro a seus fornecedores: menos de 9% dos fornecedores da indústria da moda, pesquisados pela organização sem fins lucrativos Better Buying Institute, relataram receber apoio de marcas clientes para investir em tecnologias alternativas. “É quase impossível mitigar o custo. Os compradores não lhe dão um centavo de dólar. Você tem que lutar por cada centavo de qualquer produto têxtil disponível”, diz Saleemi.
“Nós simplesmente não temos capacidade para investir. Eu só tenho três máquinas a laser, porque são muito caras e eu mesmo tenho que pagar por elas”, diz Miran Ali, diretor administrativo do Bitopi Group em Bangladesh. “Se houvesse algum tipo de sistema de incentivos ou acesso a algum tipo de financiamento a um custo menor, isso facilitaria a implementação [das soluções] em toda a cadeia de suprimentos.” A Levi’s fez parceria com a International Finance Corporation para criar um programa nesse sentido; Ali gostaria de ver empresas maiores, e mais delas, fazendo algo semelhante.
Para grandes marcas, mudar a cadeia de suprimentos pode ser assustador e caro. Muitas mudanças que prometem reduzir o impacto também trazem riscos: mudar para um tecido feito com 100% de fibras recicladas, por exemplo, pode ser uma transformação perceptível para os consumidores, enquanto ninguém notará um tecido com 15% de conteúdo reciclado. Muitas grandes marcas estão relutantes em assumir esse risco ou a responsabilidade de educar seus consumidores sobre o por que fizeram a mudança.
Isso deixa marcas menores em uma posição melhor para quebrar os limites – elas podem criar produtos com sustentabilidade como ponto de partida, enquanto marcas estabelecidas estão tentando fazer engenharia reversa de produtos que sempre venderam.
Tomemos como exemplo o jeans lavado com pedras das marcas tradicionais Lee e Wrangler. A empresa-mãe Kontoor eliminou a lavagem com pedras em mais de 90% de seus produtos de jeans, diz ela. Isso ainda é usado em estilos que já existem há algum tempo, de acordo com Jeff Frye, vice-presidente de sustentabilidade, inovação, desenvolvimento de produtos e compras. “Temos que ter cuidado quando mudamos a aparência das coisas, porque nossos clientes têm expectativas”, diz ele. “Manipular qualquer estética para esses itens icônicos – é um processo dinâmico. Acho que esses últimos 10% estarão lá. Leva apenas um pouco de tempo e experimentação.”
O envolvimento da marca nesse processo é fundamental, porque os fornecedores só produzem o que as marcas lhes dizem para produzir, com as especificações mais exigentes, explica Saleemi da Crescent. “É esse requisito do produto que determina basicamente o que você vai colocar nele”, diz ele – como seguir uma receita, com quantidades precisas de água e produtos químicos, por exemplo, necessários para o resultado específico. “Essa mudança deve ser iniciada a partir da marca ou do varejista para que nós, como fabricantes, possamos impactar com uma pegada mais leve”, diz ele. “A menos que [as marcas estejam] dispostas a mudar, fundamentalmente, essa estética, isso não vai mudar.”
Dillinger, da Levi’s, diz que as marcas deveriam fazer mais disso, usando a eliminação de sintéticos como exemplo de onde ele seria útil. “Que silhuetas estão fora da linha porque não funcionam sem alongamento? Isso cria um conjunto de restrições de design. Mas, essas limitações valem à pena. Elas são justificadas e podemos criar um produto realmente bonito”, conta ele. “Você só precisa estar disposto a fazer disso sua principal motivação de design, ou pelo menos algo igual a isso.”
Marcas menores e centradas na sustentabilidade, como Boyish, Nudie, Mud Jeans, Outland e G-Star Raw Denim, podem oferecer um modelo para o progresso. Eles podem ser mais ágeis em sua seleção de tecidos, podem definir seus próprios parâmetros para quais produtos estão dispostas a fabricar e como – e podem se envolver com os clientes, se necessário, sobre por que tomaram certas decisões ou o que isso pode significar para como o cliente usa ou cuida dos itens.
Seja qual for o tom de índigo do seu jeans favorito, é provável que ele, no início, fosse duro, grosso e um denim num índigo profundo e escuro. O índigo é clareado e a peça desbotada, desgastada e rasgada ou esfolada precisamente nos lugares que a marca encomendou.
“Você faz isso com muito índigo e depois começa a destruí-lo, mais ou menos”, diz Thomas Schäfer, chefe da Bluesign Academy. “Os produtos químicos ruins entram para fazer o estilo. É apenas para criar efeito, não tem nada a ver com desempenho.” Ele pensa bastante sobre isso: “É sustentável destruir o jeans antes de usá-lo? Essa é quase uma questão filosófica.”
A última década mostrou que alternativas mais seguras e limpas podem existir e existem. Mais alternativas estão chegando ao mercado o tempo todo, enquanto as tecnologias de ozônio e laser são usadas com mais frequência para desbotamento e desgaste do jeans. A Jeanologia, com sede na Espanha, está lançando regularmente tecnologias potencialmente “disruptivas” – como o uso de nanobolhas para transmitir produtos químicos em uma roupa, bem como novos recursos de laser e ozônio – enquanto as empresas de biotecnologia Colorifix e Huue oferecem corantes biológicos que podem ajudar a eliminar muitos dos perigos associados ao índigo.
O impasse para dimensionar essas tecnologias são as marcas. Os críticos dizem que, até que essas iniciativas ganhem escala, as marcas fazem pouco mais do que greenwashing quando oferecem linhas de produtos “ecologicamente corretas”, sem adotar as mesmas práticas em toda a sua cadeia de suprimentos.
A falta de nuvens de dados do setor avança. As iniciativas de sustentabilidade, sejam genuínas ou “greenwashed”, não estão sendo sistematicamente medidas, tornando impossível saber se representam uma transformação em todo o setor ou são exceções anômalas e favoráveis ao planeta direcionadas à norma ainda suja. Os críticos ainda temem o último. O setor do jeans está cada vez mais com boas intenções, mas tem que haver acompanhamento. “Todo mundo está com a cabeça no lugar certo, quer melhorar a oferta de produtos do ponto de vista da sustentabilidade”, diz Saleemi. “No entanto, até onde as empresas estão dispostas a ir?”
Esta matéria foi originalmente publicada no Vogue Business