Tim Maia não era um cara politicamente correto. E nem fazia questão de parecer. No entanto, o síndico não se resumiu ao artista que faltava a compromissos profissionais ou que se entregou às drogas. É isso que o público vai descobrir a partir desta quarta-feira (28) – data em que ele completaria 80 anos – na série documental Vale Tudo com Tim Maia, que estreia no Globoplay.
A obra, dirigida por Nelson Motta e Renato Terra, conta a vida de Tim sob uma perspectiva nova: ele mesmo, na primeira pessoa, coloca sua versão dos principais fatos ocorridos em sua trajetória. “Aprendi a entender o ser humano que está por trás desse personagem gigante. No material bruto pude lidar com vários Tims ao mesmo tempo. Um cara genial, mas cheio de ambiguidades. Um cara que parecia duvidar do seu próprio talento”, conta Jordana Berg, responsável pela edição da série.
Para chegar aos três episódios que exploram a infância, adolescência, início e auge da carreira, polêmicas, e mostram o artista em sua intimidade, Jordana mergulhou em arquivos raros e inéditos. Além disso, Carmelo Maia, filho de Tim, cedeu acesso a um acervo de família, nunca divulgado, guardado desde a morte do pai, em 1998.
“Acho que as pessoas vão redescobrir Tim Maia e descobrir facetas novas que nunca vieram a público, do tiozão do churrasco, do amante dos cães, do cara que ficou rico e seguiu sendo o cara simples de antes”, diz Jordana. “E um artista com A maiúsculo, que colocou nas suas composições e na sua voz toda a dor de ser humano” A seguir, o bate-papo com Jordana Berg.
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MARIE CLAIRE Qual foi seu maior desafio na edição da série?
JORDANA BERG Em primeiro lugar queria falar do sonho que foi montar essa série junto com Bianca Oliveira e Hannah Maia como assistente de montagem. Convivi com as músicas que ouço desde que me entendo por gente durante sete meses de montagem. E aprendi a entender o ser humano que está por trás desse personagem gigante. No material bruto pude lidar com vários Tims ao mesmo tempo. Um cara genial, mas cheio de ambiguidades. Um cara que parecia duvidar do seu próprio talento. Um cara que se jogava nos extremos sem medo de colocar tudo a perder, como uma necessidade maior de ir aos limites. Amava muito, odiava muito, cantava muito. Tudo muito. O grande desafio da montagem da série foi entender como contar a história em cada episódio, e descobrir a forma de cada um desses episódios que dialogasse com a vibração da época que estávamos abordando. Então foram três episódios bem diferentes entre si, e com tipos de arquivos diferentes. O desafio do ritmo também se impôs. Como contar a vida vertiginosa de um personagem tão complexo sem se perder na vertigem, nem tampouco menosprezá-la. Um desafio a nível pessoal, com o qual tive que lidar se deveu ao fato de que Tim Maia definitivamente não era um cara politicamente correto. Então ter que perdoá-lo, ser condescendente, não esconder isso na montagem, mas sem permitir ao mesmo tempo que isso rompesse a empatia do público para com ele. Enfim, foi um trabalho de costura em espiral, onde passamos pelos lados claros e escuros a cada volta. A música venceu.
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MC A história de Tim Maia já virou filme. Como criar uma narrativa atraente para o público, de uma história “conhecida”?
JB Taí outro baita desafio. Mas acredito que ao contar a história de um personagem nunca se deve estar refém da cronologia ou da biografia completa. Esse foi o primeiro movimento decidido entre eu e os diretores Renato Terra e Nelson Motta. Aceitaríamos a incompletude das biografias. Não queríamos reinventar a pólvora dos documentários mas tínhamos clareza de que o que realmente queríamos era fazer uma série experiencial/sensorial. Algo que o espectador pudesse se entregar ao fluxo do humor (gigante) do Tim Maia e sua verve musical que poucos têm. A nossa única vontade real é que quem estivesse vendo sentisse vontade de cantar, de dançar, de telefonar às 4 da manhã para namorada, de pedir desculpas, de chorar no ombro do grande amor, de falar eu te amo topando a cafonice. Um dos nossos trunfos foram os arquivos raros e inéditos (pesquisa Priscila Serejo, Julia Schnoor, Ferdinando Dantas, Denilson Monteiro) em combinação com um trabalho de arte primoroso, divertido e sensível (Bruno Gabbai, André Trovon, Fabricio Umezaki) que captou totalmente o espírito do síndico, subvertendo as imagens, interferindo nelas para adicionar camadas de compreensão nas letras das músicas, ou matérias de jornal. A proposta dos diretores de fazer uma série apenas com as versões de Tim Maia dos fatos nos deu imensa liberdade porque de alguma maneira nos deu chance de aceitar tudo o que Tim falou como uma das versões possíveis dos fatos. A versão dele. Essa foi uma das grandes sacadas. Não existe ninguém corroborando a qualidade do trabalho dele, nem confirmando ou desmentindo nada. Os fatos, de acordo com a verdade dele, e isso nos bastou e foi para nós uma linguagem.
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MC Qual momento da trajetória do Tim mais surpreendeu ou emocionou você durante esse trabalho?
JB Por incrível que pareça, eu me emocionei muito com as cenas da morte e do velório. A morte, na verdade o início do processo dele de morrer se iniciou no palco do Teatro Municipal de Niterói e tem um momento que eu considero muito impressionante, que é, depois que ele sai do palco passando mal, instala-se um momento enorme de silêncio. Um silêncio contendo toda a eternidade reservada a esse personagem e sua música. A cena do enterro me comoveu muitíssimo porque tinham pessoas de todo tipo. Homens de terno, donas de casa, mendigos, gente de todos os lados da cidade. Aí me dei conta da grandiosidade da arte dele. Ele falou com e para todos os corações do Brasil e isso não é pouca coisa. E para terminar, o mais impressionante é que 24 anos após sua morte, tudo isso permanece vivo. Nas gerações que viveram esse momento e nas que estão chegando e tendo a oportunidade de se apaixonar por ele.
MC O que as pessoas vão descobrir sobre Tim Maia na série?
JB Acho que elas vão descobrir que ele era muito mais que apenas aquele cara que faltava aos shows. Ele era um romântico incorrigível, tinha um timing de humor como poucos comediantes. Algo que acho que poucos sabem, que ele ajudava lares de crianças, coisas sobre as quais jamais se vangloriava. Ele tinha uma música sofisticada mas ao mesmo tempo extremamente popular e ele próprio tinha algo de simples, de caseiro, de familiar. Acho que as pessoas vão redescobrir Tim Maia e descobrir facetas novas que nunca vieram a público, do tiozão do churrasco, do amante dos cães, do cara que ficou rico e seguiu sendo o cara simples de antes. E um artista com A maiúsculo, que colocou nas suas composições e na sua voz toda a dor de ser humano.