Os números já são conhecidos, mas não custa repeti-los. Mulheres de todas as religiões e classes sociais fazem abortos no Brasil. Aos 40 anos, uma em cada cinco brasileiras já realizaram o procedimento, segundo a Pesquisa Nacional do Aborto (PNA), realizada pela Anis Instituto de Bioética, em 2016. Nesse mesmo ano, a cada dois dias uma mulher morreu em decorrência de um aborto ilegal no país, de acordo com relatório do Ministério da Saúde entregue ao STF em 2018.
Ainda assim, dificilmente o tema é tratado como questão de saúde pública – principalmente em período eleitoral. Pelo contrário, é transformado em instrumento de ataque e sensacionalismo àqueles que ousam fazê-lo.
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É o que tem feito Jair Bolsonaro desde que o ex-presidente Lula apontou as injustiças e hipocrisia do sistema vigente, no qual mulheres ricas abortam “em clínicas de Paris ou Berlim”, e as pobres “cutucam o útero com agulhas de crochê”. Diante da pressão que surgiu imediatamente após a declaração, Lula veio a público dizer que é pessoalmente contra o aborto.
No último debate presidencial, transmitido pelo SBT no sábado (25), o público foi surpreendido com a presença de Padre Kelmon (PTB), que se autointitula sacerdote e afirmou estar ali como aliado de Bolsonaro. O candidato aproveitou o momento de perguntas a Ciro Gomes e Simone Tebet para explorar o tema nesta reta final de campanha e perguntar se estariam dispostos a assinar um manifesto contra o aborto.
“Os candidatos não encaram como um tema de saúde pública por medo do uso do fanatismo na política. A questão do aborto se torna uma ameaça aos candidatos que defendam sua legalização. Não há evidência que isso faça perder voto, mas pode haver uma profecia auto realizadora. Quando a política é feita por homens e a misoginia é uma regra de controle, temas proibidos podem ser reguladores do que pode ou não ser discutido”, afirma Débora Diniz, antropóloga, professora da UnB (Universidade de Brasília) e uma das autoras da pesquisa da Anis citada no começo da reportagem.
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No Dia de Luta pela Descriminalização e Legalização do Aborto na América Latina e no Caribe, Caderno de Moda reúne abaixo os posicionamentos dos primeiros seis colocados na disputa à Presidência da República.

Lula (PT) em 5 de abril:
“As mulheres pobres morrem tentando fazer aborto porque é proibido o aborto, é ilegal.[…] Na verdade, [o aborto] deveria ser transformado em uma questão de saúde pública e todo mundo ter direito e não vergonha”, afirmou em evento na Fundação Perseu.
Em 7 de abril: “A única coisa que eu deixei de falar, na fala que eu disse, é que eu sou contra o aborto. Eu tenho cinco filhos, oito netos e uma bisneta. O que eu disse é que é preciso transformar essa questão do aborto numa questão de saúde pública”
“É só isso. Qual é o crime? Mesmo eu sendo contra o aborto, ele existe, e existe de forma diferenciada. Quando ele se dá numa pessoa que tem um poder aquisitivo bom, essa pessoa procura uma clínica boa, quem sabe viaja para o exterior e vai cuidar de se tratar. E a pessoa pobre? Como é que ela faz?”, questionou.

Jair Bolsonaro (PL), no dia 22 de setembro:
“O Estado pode ser laico, mas o presidente é cristão. E nós, diferentemente do outro candidato, defendemos a vida desde a sua concepção. Nós dizemos ‘não’ ao aborto.
23 de setembro: “Não vamos discutir aborto no Brasil. E não se esqueçam que, quem se eleger presidente neste ano, indica dois ministros para ocupar o Supremo Tribunal Federal ano que vem. Em sendo reeleito, esses dois que vão para lá jamais serão favoráveis ao aborto também”, afirmou Bolsonaro, em discurso para apoiadores.
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Ciro Gomes (PDT), 25 de setembro:
“O nosso poder como presidente para esse assunto é nenhum. O Congresso também tem evitado porque envolve aspectos de saúde pública e morais muito graves, religiosos, e nós cristãos temos absoluta aversão a qualquer tipo de morte, portanto o aborto para nós é uma tragédia. A questão não é essa, mas qual o papel do Estado no enfrentamento dessa tormentosa questão. Para mim, a legislação como está é o alcance possível que nós, na sociedade brasileira tão dividida, alcançamos”.

Simone Tebet (MDB), 25 de setembro:
“Sou contra a legalização do aborto salvo os casos previstos na Consituição porque temos que garantir a educação sexual dos nossos jovens. Sou contra também porque sou cristã.”
“Eu sou contra o aborto porque sou católica e cristã. Isso não me faz menos feminista, eu defendo a vida. O feminismo no Brasil precisa ser entendido não como uma pauta de esquerda, mas uma pauta cristã.”
Para Caderno de Moda: Sou contra a legalização do aborto salvo os casos previstos na Consituição porque temos que garantir minimamente aquilo que na Europa já tem, que é educação sexual dos nossos jovens. Isso tem que acontecer dentro do seio familiar, com proteção do Estado, Ministério da Assistência Social para dar condições. Estudei em colégio católico e tive educação sexual dentro da escola. Sou contra aborto além dos casos previstos em lei também porque, apesar do Estado ser laico, sou a favor da vida. Não tem como me separar do que sou e estou. Estou política e sou cristã.

Soraya Thronicke (União Brasil):
Para Caderno de Moda, em setembro de 2022: “Sou cristã e contra o aborto. Aceito as exceções da lei, e temos que intensificar a prevenção. O SUS já permite isso com métodos contraceptivos.”

Felipe d’Avila (Novo):
“Sou a favor de manter a legislação como está. Acredito que esteja em sintonia com o que pensa a maioria dos brasileiros. Em relação ao caso dos Estados Unidos, gostaria que o Brasil tivesse um modelo de federalismo mais próximo do americano, e que os estados tivessem autonomia para legislar sobre essas questões. Estados diferentes podem ter políticas diferentes sobre estes temas.”