Reconhecer que uma vida de muita fartura e excessos não é suficiente para a plenitude parece óbvio, mas surpreende constatar que o fácil acesso à prazeres instantâneos e altamente recompensadores pode ser a causa do problema. Países mais ricos, com abundância no acesso a serviços de saúde, medicamentos, bens de consumo e alimentação, estão entre os que possuem as maiores taxas de suicídio, depressão e ansiedade no mundo. Embora necessário, sabe-se que dinheiro não é uma boa medida para felicidade, sobretudo em excesso, quando se verifica justo o contrário. Há estudos mostrando isso, segundo eles, haveria uma medida ótima, quando o dinheiro que se ganha ainda deixaria – vamos colocar simples assim – as pessoas mais contentes; ultrapassada essa faixa, acumularia-se, junto aos vinténs, a percepção de infelicidade.
Como bom brasileiro, provável que não tenha alcançado a graça de ser oprimido pelo excesso de dinheiro, mas até nós, periféricos no cenário mundial quando o assunto é distribuição de renda e desenvolvimento, também estamos submetidos aos efeitos nocivos dos excessos de prazer. Um dos problemas relacionados a esse paradoxo da vida contemporânea está na sobrecarga de substâncias e comportamentos altamente prazerosos que temos acesso.
A região cerebral que processa o prazer e o sofrimento é precisamente a mesma. Nosso sistema de recompensa, como chamamos esse conjunto de estruturas cerebrais, é ativado sempre que experimentamos algo prazeroso, e o mais notável neurotransmissor envolvido nesse processo é a dopamina. Sexo, compras ou o simples cheiro de brigadeiro na panela, tudo capaz de despertar satisfação pode desencadear sua liberação e ativar o sistema de recompensa cerebral. Ligado ao amor, prazer, motivação e muito mais, a dopamina também é fundamental para processos como controle motor, aprendizado e memória. Há evidências de que o cérebro libera mais dopamina até quando meditamos. Esse neurotransmissor de bem-estar está diretamente envolvido no reforço, por isso se contentar com o primeiro chocolate é tão difícil. Dois, três, quatro, vamos parar por aqui.
A recompensa experimentada quando nos afundamos sem controle na panela de brigadeiro revela o lado mais sombrio desse neurotransmissor, isto é, a intensa carga de prazer é também capaz de causar dependência. Drogas altamente viciantes, como cocaína e heroína, também atuam nessas vias cerebrais. Mas não esqueçamos da inesgotável parafernália aditiva facilmente disponível, naturalizada e muitas vezes necessária da vida atual. Açúcar, álcool, pornografia digital, videogames, celular, redes sociais e seus algoritmos são exemplos.
O sistema de recompensas, capitaneado pela dopamina, funciona como uma balança e trabalha de modo a restaurar um certo grau de equilíbrio sempre que os estímulos de prazer ou dor ativam mais este ou aquele lado. O acesso repetitivo à determinada substância ou comportamento recompensador leva à dificuldade em resgatar esse ponto de equilíbrio, então curiosamente, o cérebro acaba provocando uma emoção oposta à inicial, o que chamamos de processo oponente. Esse sistema, que nada mais é que um recurso de estabilização emocional, a exposição repetida ao estímulo causa menos da reação inicial e uma reação contrária cada vez mais forte, ou seja, após repetidas exposições, o prazer torna-se mais difícil de ser obtido, e a pessoa mais insensível à percepção dele, enquanto a reação oposta, isto é, dor ou sofrimento, é potencializada.
A psiquiatra norte-americana, Anna Lembke, pesquisadora em Stanford e autora do livro Nação Dopamina, propõe que perdemos a capacidade de extrair alegria de prazeres comuns e defende que a abstinência de dopamina é necessária para restaurar o equilíbrio e, com ele, nossa capacidade de obter prazer de recompensas menos potentes. O jejum de dopamina, termo criado pelo psiquiatra da Califórnia Cameron Sepah, tornou-se moda nos últimos dois anos no Vale do Silício e se estendeu pelo mundo. Alinhado com as ideias propostas por Lembke, Sepah pretendia um método, baseado na terapia cognitivo-comportamental, que nos tornasse menos dominados pelos estímulos insalubres – mensagens, notificações, e-mails, toques, bipes – que acompanham a vida contemporânea. Em vez de responder automaticamente a essas iscas, que nos fornecem carga de recompensa imediata, mas de curta duração, devemos permitir que nossos cérebros façam pausas e se recuperem desse bombardeio potencialmente viciante. A ideia é que, ao nos permitir sentir solidão ou tédio, ou encontrar prazer em atividades simples e naturais, estaríamos mais aptos a recuperar o controle de nossas vidas e lidar com comportamentos compulsivos.
Contudo, a interpretação literal do termo acabou levando à equívocos. Embaladas por vídeos que logo se difundiram na internet, algumas pessoas passaram a se privar de uma série de prazeres – comida, contato humano, sexo – com a expectativa de que assim seriam novamente sentidos de maneira mais intensa e vívida quando reinseridos. A verdade é que não se pode jejuar de uma substância química cerebral natural, e embora a dopamina aumente em resposta à recompensas ou atividades prazerosas, não diminui ao se evitar atividades superestimulantes. Os jejuadores de dopamina estariam, portanto, privando-se de atividades e comportamentos saudáveis sem motivo. Esse erro de interpretação levou alguns a se afastarem justo do que deveria ser afirmado, como o fortalecimento dos laços sociais e envolvimento em atividades capazes de resgatar prazeres mais simples e genuínos. A interação humana, a menos que seja de alguma forma destrutiva, inclui-se na categoria de atividades saudáveis que devem suplantar as não saudáveis, como navegar nas mídias sociais por horas todos os dias.
Sabemos, contudo, que nem sempre é possível ou desejável a completa abstenção à certos vícios, como é o caso dos celulares e das redes sociais, por isso, a questão de como moderar o uso torna-se cada vez mais importante. A onipresença de bens altamente capazes de levar à liberação de dopamina nos torna mais vulneráveis a um consumo excessivo e compulsivo, numa lógica onde o próprio consumo tornou-se uma droga. Capitalismo límbico é um termo atual para designar o sistema de negócios tecnologicamente avançado baseado no estímulo ao consumo através do vício, é o caso da inteligência artificial e dos algoritmos presentes em sites de busca, compras e mídias sociais. Para além do jejum de dopamina ou da pretensão de nos afastar por completo desses vícios contemporâneos, o desafio é encontrar maneiras mais equilibradas e saudáveis de obter prazer. Um bom começo é admitir que a dor é inerente à toda experiência humana subjetiva. Quanto mais rejeitamos o sofrimento, maior e mais destrutivo o fantasma que alimentamos.