Eram aproximadamente 20 pessoas dentro de um estúdio na Zona Oeste de São Paulo com os olhos marejados. Depois de posar para este ensaio, o modelo baiano Santti contou que aquele era o dia do aniversário de sua irmã caçula e que agora sim podia presenteá-la como sempre sonhou. Depois de uma salva de aplausos, cedeu o posto a Nini, tatuador e modelo não binário, que superou a timidez para dizer que a parte do corpo que mais gosta é o sorriso, que escapa quando não deve. Na sequência, o modelo Fabio Mori posou com cristais escuros espalhados pelo rosto e um maxibrinco em uma orelha só, questionando as fronteiras entre masculino e feminino. Também fazem parte deste ensaio os meninos de Os 22 do Passinho, um grupo que surgiu em São Gonçalo e que está encantando o Brasil com as coreografias desenvolvidas na periferia carioca.
Essas são apenas algumas das histórias dos 22 jovens reunidos pelo fotógrafo Hick Duarte para este ensaio, que tem como objetivo mostrar a potência da coletividade e da juventude brasileira. São corpos e rostos que, individualmente, quebram barreiras e superam limites, mas que, coletivamente, constroem um mundo mais autêntico, estiloso e, principalmente, plural.
“Retratar a juventude brasileira sempre foi o foco do meu trabalho, desde que comecei a fotografar shows em Uberlândia, Minas Gerais. Em 2023, completo dez anos em São Paulo e foi aqui que essa pesquisa em torno da juventude se tornou mais sólida, consistente e diversa. Aos poucos, fui migrando da fotografia de música para a de moda, ambiente que sempre me encantou pelas possibilidades de criação, pela extravagância visual, pelo espaço para a experimentação, pela intenção de acompanhar os tempos e por ver ali uma oportunidade de aprofundar o que descobri ser o que mais gosto de fazer na fotografia: retratos.
Sempre nutri a ideia de que qualquer história de moda forte é sustentada por bons retratos. Sendo retratos essencialmente o exercício de descrever a imagem de uma pessoa. Depois que me entendi como um apaixonado por retratos, fui percebendo também a influência disso na construção de um imaginário social em torno do que é belo. Essa é uma questão especialmente complexa no Brasil como um país miscigenado, diverso e plural. O desafio de documentar a juventude brasileira é, principalmente, um exercício de atenção, empatia e de consciência regional.

Desconstruir estereótipos ligados a um ideal de beleza nacional começa por reconhecer as individualidades e subjetividades da nossa juventude. Esse olhar é atravessado pelas nuances étnicas, raciais, geográficas e de identidades de gênero. Individualidade foi uma palavra muito presente no brainstorming para a matéria de capa desta edição da Vogue. Quando fui convidado para fotografar essa história, o ponto de partida era ilustrar o poder do coletivo. Uma turma autêntica, contemporânea, em que cada pessoa tivesse sua imagem elevada e potencializada a partir das roupas (collab adidas x Gucci).
Mas em vez de pensar em um coletivo de pessoas que se reúnem a partir de determinadas afinidades, um outro caminho soou mais interessante: um coletivo potencializado pela pluralidade de estilo das pessoas que o compõe. Uma celebração do coletivo a partir da valorização das individualidades. Para chegar a essa turma ideal, começou o trabalho de casting. A ideia era misturar modelos com pessoas que não necessariamente tivessem essa profissão, mas que se destacassem por um estilo próprio. Para mim, pensar no casting é um ato cotidiano. A minha procura pelas pessoas que protagonizarão as histórias que fotografo acontece em vários momentos do meu dia. Posso encontrar essas pessoas em uma viagem de férias para Salvador. Numa première de um filme de skate na rua. Num soundsystem de dub ou numa festa em casa onde amigos trazem outros amigos, e por aí vai. Alguns rostos escolhidos são novos para mim, muitos deles estão aparecendo em uma revista pela primeira vez.
Uma característica comum entre as pessoas que selecionamos é um certo desapego às “tendências” (palavra que evito usar pela superficialidade que conferiram a ela). São pessoas que parecem mais preocupadas em nutrirum estilo próprio, num constante exercício de autoconhecimento, do que seguir alguma informação visual passageira. Ouso dizer que são essas as pessoas que criam tendências porque produzem os próprios paradigmas de estilo a partir de experiências pessoais. Num mundo onde há uma sobrecarga de informações, procurar de fato se conhecer em vez de reproduzir padrões, se expressar livremente, é um ato de coragem. Para muitos, um ato de cura, de reconexão. E feito coletivamente, fica ainda mais poderoso.”