Às vezes, as pessoas me perguntam como foi sair do armário, como foi dizer que eu sou lésbica no mundo corporativo e o que mudou na minha vida a partir desse momento. Acredito que para falar sobre isso, preciso discorrer um pouco sobre a minha jornada como mulher, negra e homossexual no mundo corporativo.
Em meados de 2005, ingressei como estagiária na primeira grande empresa na qual trabalhei. Uma empresa holandesa, do setor de eletrônicos, com um programa de diversidade interessante e vanguardista, o que possibilitou a contratação de uma mulher, negra e oriunda de baixa renda como eu. Naquele momento da minha vida, eu estava totalmente dentro do armário em quase todos os espaços possíveis. Em casa, junto à família, em outas empresas nas quais já tinha trabalhado.
Somente na faculdade de Comunicação, eu contava para algumas poucas pessoas sobre a minha orientação sexual e, claro, pedindo segredo total e desesperado, porque entendia que caso essa informação se tornasse pública, isso poderia arruinar a minha carreira e a minha vida.
Nesse mesmo período, fiz amizade com um profissional gay que eu admirava muito! Ele declarava abertamente a sua homossexualidade, estava fora do armário no mundo empresarial em pleno 2005 e me encorajava dizendo que, com o tempo, com os aprendizados e meu desenvolvimento profissional, eu aprenderia a lidar melhor com os medos inerentes à situação. “Lili, você é uma mulher negra nesta empresa com tão poucos negros, e tão empoderada! Lida com os preconceitos com firmeza e autoconsciência. Assim como sabe que o racismo existe, e o supera, um dia irá superar e sentir menos medo da lesbofobia”.
Pois bem, antes que a profecia dele se cumprisse, passei por outras empresas contemplando setores financeiro, varejista e de mineração, e a verdade é que vim a sofrer muito racismo, machismo antes mesmo de declarar que era homossexual. Quanto mais eu ascendia dentro das grandes empresas, mais entendia que o fato de ser mulher e negra gerava um desconforto generalizado dos meus pares, às vezes consciente e às vezes inconsciente, e mais eu pensava se fazia sentido trazer mais uma problemática para o meu dia a dia, contando para as pessoas que sou lésbica.
A verdade é que só senti confiança em lidar com as complexidades que mais este marcador identitário me traria quando fundei a Gestão Kairós – Consultoria de Sustentabilidade e Diversidade, momento em que passei a ser dona do meu próprio negócio e, portanto, deixei de ter medo de sofrer assédio ou de ser demitida por ser quem eu era. Por isso, sei que ainda hoje diversas pessoas certamente estão dentro do armário nas empresas. E que eu estou em uma situação e lócus social de certo privilégio que me permite ser quem eu sou livremente.
Por isso, de lá para cá, listo aqui cinco coisas que mudaram na minha vida depois que contei ser lésbica no meio empresarial:
1. Deixei de gastar energia ao esconder quem sou. Sim isso é uma dádiva, não preciso mais investir tempo e esforço me escondendo, fingindo ser outra pessoa, ou com medo o tempo todo de descobrirem algo sobre mim. Pior ainda de achar que algo sobre a minha vida pessoal poderá vir a ser usado contra mim em algum momento.
2. Me tornei referência para outras mulheres lésbicas e isso é incrível! Estou constantemente recebendo mensagens, sendo parada em palestras, eventos e afins, por outras mulheres que são como eu e agradecem o fato de eu ter me posicionado para a sociedade. Dizem que saber que não estão só as encorajou.
3. Me tornei mais autoconfiante. Ter a coragem de ser quem se é nos empodera das formas mais profundas, inexplicáveis e poderosas. Passei a gostar muito mais de mim mesma!
4. Entendi que a homossexualidade poderia não ser um entrave para a minha carreira, mas sim um impulsionador dela. Falar sobre quem se é, em uma sociedade que está constantemente calando as pessoas, faz com que elas te admirem, queiram trabalhar com você, estejam felizes em estar ao seu lado. A genuinidade atrai relações profissionais igualmente genuínas.
5. Deslanchei em todos os setores da minha vida. Tudo melhorou! Desde que comecei a falar sobre a minha homossexualidade no trabalho, minha vida profissional e pessoal vem em uma crescente. Provavelmente, como eu disse, por estar firme em minhas convicções e forma de viver a vida. Claro, frases, palavras e fofocas maledicentes sempre existiram e sempre existirão. Eu as escutava em 2005 e as escuto hoje em 2022. Mas, diferentemente da tremenda angústia que isso me gerava, hoje consigo abstrair e desprezar comentários maldosos. Por vezes até acho graça.
Este não é um caminho fácil e não quero de maneira nenhuma romantizá-lo, sob pena de fazer alguém, que está em um ambiente mais hostil e difícil do que o que eu me encontro hoje, sofrer, ser maltratada ou qualquer outra reação descabível por ser quem se é. E isso é algo que eu não suportaria! Sendo muito honesta, haverá pessoas que vão te odiar simplesmente por você ser quem você é. E outras que vão te amar exatamente pelo mesmo motivo.
Mas quero sim dizer que existe uma luz no fim do túnel, que é possível e que, por incrível que pareça, falar sobre a sua orientação sexual abertamente e não escondê-la pode ser algo que traga coisas boas para sua vida.
E se você é entusiasta da diversidade, uma aliada ou um aliado, não deixe o Mês do Orgulho e da Visibilidade Lésbica ser invisibilizado. Fale sobre direitos das mulheres lésbicas na sua empresa, em casa, em seu círculo de amigos. Apoie uma mulher lésbica. Compreenda a dupla opressão que mulheres homossexuais sofrem, por serem lésbicas e por serem mulheres. Faça a diferença hoje!