O momento que antecede o choro em um rosto que sorri muito interessa Denise Fraga, de 57 anos. Nele, a artista encontra o propósito para a sua forma de fazer arte, que tem o humor envolvendo reflexões profundas. Essa alquimia, segundo a atriz, permite uma vida mais possível e consciente. “Não dá para viver com sentimentos tristes sendo vistos como tabus. Precisamos de coragem para levantá-los e, assim, tratar das nossas feridas”, defende em entrevista à “CADERNO DE MODA”.
Tanto no teatro, com o seu monólogo “Eu de você”, em turnê pelo Brasil, quanto no cinema, com o filme “45 do segundo tempo”, que estreia dia 18 de agosto, a atriz atravessa essa perspectiva de sentimentos opostos. Na conversa, Denise diz que a marca da sua arte é “deixar o público com uma pulga atrás da orelha.”
E, quando é ela quem está do outro lado, fora das telas e dos palcos, a ideia de sair desse lugar apaziguador também é bem-vinda. Um exemplo disso foi o ensaio fotográfico que protagonizou recentemente. Assinado pelo diretor de arte Ale Monteiro, o editorial imprime uma atitude e performance de Denise baseada no legado de Salvador Dali e no Surrealismo.
Os registros marcam uma fase em que a atriz observa o impacto do tempo na sua vida. Longe de qualquer discurso romantizado, Denise respeita os sinais que seu rosto e corpo carrega, mas também não nega que o processo de envelhecer é difícil.
A seguir, Denise detalha sua relação com a autoestima depois dos 50 anos, qual é sua “estratégia de alegria” e os novos caminhos profissionais que procura.
Você fez um ensaio recente inspirado na obra do Salvador Dali e no Surrealismo. Como surgiu essa ideia?
Foi surpreendente para mim, já que fiz poucos editoriais na minha vida. A experiência foi cercada por artistas criativos, dando espaço para darmos uma pirada. A sugestão de ter Dali e o Surrealismo como inspiração surgiu do maquiador, o Renan Tavarez. E tem coisa mais surreal do que tudo que estamos vivendo nesse momento? Esse tema me deixou livre para ousar e arriscar até fazer ‘carão’.
O que a arte vem ensinando sobre você mesma nessa fase?
Cada vez mais agradeço todos os dias de ter esse ofício de artista, de ter oportunidade de transformar angústia em beleza. Quando estamos nesse estado, a cabeça criativa nos salva. Ferreira Gullar já dizia que a arte existe porque a vida não basta. Algumas pessoas acham que a arte só serve pra dar alívio, mas, além do lazer, meu trabalho tem esse momento de reflexão e consciência para compreender a humanidade.
Como anda a sua relação com o tempo e as marcas que ele traz?
Envelhecer não é fácil. A maturidade sim é legal, porque você já vê os ciclos acontecerem e entende a efemeridade. Logo, sabe que tem que aproveitar tudo da melhor forma. Mas o envelhecer passa por um processo de falência corporal que não é fácil. Sinto que depois de certo tempo não tem remédio mais eficaz do que o exercício, seja físico ou mental. Precisamos de estratégia para buscar alegria e cuidar dos amigos conquistados.
O que você costuma fazer para manter suas relações?
Sou muito festeira e adoro cantar, por isso faço uma roda de samba para os meus amigos uma vez por mês para espantar os males. Isso, por exemplo, só acontece se você marcar na agenda, o que chamo de estratégia de alegria. Às vezes sinto preguiça, mas quando vou é ótimo. Precisamos driblar esse cansaço do dia a dia em prol do nosso prazer, assim como nos esforçamos pela felicidade do outro.
Como você enxerga os procedimentos estéticos?
Procuro não fazer nada invasivo, porque tenho medo de aparentar uma idade diferente da que tenho, de me roubarem de mim mesma. Por outro lado, quero estar bem comigo mesma. Respeito as marcas do meu corpo, porque elas carregam uma história. Por exemplo, tenho bolsa nos olhos desde criança. Se eu tirar, fico com receio de não me reconhecer mais. O envelhecer acontece gradativamente, dia após dia. Já o procedimento muda tudo rapidamente, por isso prefiro, no máximo, um creme e tratamentos com laser para estimular o colágeno.
Em agosto, você está de volta ao cinema com o filme “45 do segundo tempo” que fala sobre amizade. O que o público pode esperar dessa produção?
A direção é do Luiz Villaça [marido da atriz], meu parceiro na vida e na arte. O roteiro surgiu depois que ele viu uma matéria no jornal, em que senhores reproduziram uma foto tirada há 80 anos na inauguração de uma estação de metrô. O filme fala sobre essa relação de amizade, que é estreitada a partir de um episódio especial. Além de ser engraçada e emocionante, a história deixa uma sensação de urgência para ligar para os amigos.
Na sua vida, essa noção de amizade também passou por mudanças?
Os amigos são a família escolhida. Depois de tantos anos de convivência, você pode criar uma relação até mais íntima do que com um familiar. O tempo me ajudou a entender e valorizar essas relações duradouras.
O seu monólogo “Eu de você” foi criado a partir de cartas enviadas pelo público. Na peça, a plateia também tem um papel ativo. Você pode contar sobre isso?
Eu desço muito para a plateia nessa peça. Sutilmente há um convite para o público contracenar comigo, mas sem precisar dizer uma palavra, a troca é apenas no olhar. Nesses momentos, já aconteceu de eu enxugar as lágrimas de uma pessoa, porque a peça tem isso de tocar a gente. A partir de cartas que recebemos e que costuramos com poemas de Carlos Drummond de Andrade, Paulo Leminski e Clarice Lispector, a gente devolve para o público uma tragicomédia embrulhada no papel da arte e da beleza.
A sua carreira sempre foi marcada por um lugar de experimentação. Tem algum caminho que você ainda quer percorrer?
O que tem me encantado ultimamente é cantar. Os trabalhos foram se apresentando para mim com essa proposta. Nisso, entendi que parte da decisão de cantar ou não vem da coragem. E busco essa coragem, por isso decidi que quero envelhecer cantando samba e ser uma atriz que canta.
Pensando na mudança de comportamento da sociedade, com tantos estímulos ligados à rapidez, por exemplo, como enxerga o futuro do audiovisual?
Ando angustiada com isso. O advento da tecnologia deixou tudo muito rápido. Inclusive nunca usei tanto a palavra ciclone no meu vocabulário, porque a sensação é que estou constantemente em um redemoinho com tantos estímulos velozes. Vivemos uma crise de paciência, em que em breve a narrativa humana vai ser impossível. Precisamos nadar contra isso com exercícios para manter a sensibilidade aguçada. Por isso o teatro fica cada vez mais precioso. Em tempos de compartilhamento, no teatro, realmente temos um grupo de pessoas compartilhando o mesmo foco. Também acredito que precisamos usar essa tecnologia da melhor forma, como ensinando audiovisual nas escolas para trabalhar esse senso estético, a visão diante da sociedade.