A falta de informações sobre a condição da italiana Alessia Piperno na prisão em Teerã e o mistério sob as circustâncias de sua prisão na capital iraniana vem intrigando e mobilizando familiares, amigos e ativistas na última semana. A viajante foi detida no dia 28 de setembro, data em que completou 30 anos, e lavada ao no presídio de Evin. Ela só conseguiu notificar a família quatro dias depois. Assim como a jovem Mahsa Amini, Alessia foi detida pela polícia da moralidade.
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De acordo com a Ansa, principal agência de notícias italiana, até o momento não se sabe quais circunstâncias ocasionaram na prisão de Alessia. No entanto, é provável que ela estivesse envolvida nas manifestações que, há 19 dias, pedem pelo fim do regime teocrático do país e o fim da repressão da polícia da moralidade. Os protestos começaram após a morte de Mahsa, de 22 anos, que foi presa e supostamente torturada por usar o hijab de forma errada, não cobrindo toda a cabeça e o pescoço, como manda a lei iraniana.
Na última segunda-feira (3), o pai de Alessia demonstrou preocupação com a situação atual da filha. Alberto Piperno conta que só teve notícias da filha no último domingo (2). Foi quando Alessia conseguiu telefonar para informar que estava presa.
“Estamos muito preocupados. Infelizmente a situação não é boa. Estamos em contato com a unidade de crise do Ministério das Relações Exteriores, que ativou todos os procedimentos pertinentes”, afirmou ao site da Ansa. Alberto afirma que a filha sempre respeitou as tradições e obrigações determinadas por cada país que visitou.
Alessia passava os últimos dias no Curdistão iraniano, uma região constantemente supervisionada devido à oposição ao governo. Ainda de acordo com a Ansa, autoridades afirmaram que há o desejo de politizar a prisão da viajante. Por isso, as entidades aconselham “permanecer em silêncio” para não atrapalhar as negociações para tirar Alessia do Irã.
Apesar de não existir concretamente uma relação entre Alessia e os protestos, a italiana se manifestou nas redes sociais após a morte de Mahsa. “A verdade é que aquela garota poderia ter sido eu, ou minha amiga Hanieh, ou uma daquelas mulheres que conheci nesta viagem. Hijab no Irã não é sinônimo de religião, é sinônimo de governo. Toda mulher deve se privar de sua feminilidade, esconder esses belos traços faciais e as formas de seu corpo, para não correr o risco de acabar na prisão, ou pior ainda, ser açoitada 70 vezes”, escreveu ela nas redes sociais em 20 de setembro.
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“Agora que estou aqui há mais de dois meses, me sinto parte disso tudo, me sinto parte dessas meninas que lutam por seus direitos, que se manifestam por sua liberdade, mas que acabam sendo obrigadas a se esconder em um ponto cego. […] Você, mulher iraniana, merece cada pedaço de felicidade, cada sorriso por aí, cada dança do universo e cada alegria contida em seu coração. Com a esperança de que cada conto de fadas que vive em sua mente um dia se torne realidade, como você é”, acrescentou.
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Em uma das últimas postagens escritas no Instagram, Alessia contou como um dia, duas mulheres, dois homens e duas crianças chegaram em seu albergue para pedir ajuda, assustados com os confrontos nas ruas. “Acho que nunca vou esquecer aquela primeira noite. Corremos para o albergue com o coração na garganta, enquanto os sons de tiros ressoavam atrás de nós e o cheiro de gás emanava no ar. Fechei a porta do albergue enquanto as pessoas gritavam nas ruas. Depois de menos de 30 segundos ouvi uma batida violenta na porta do albergue. Eram duas mulheres, dois homens e duas crianças tossindo fortemente de respirar o gás, e a mulher mais velha estava tendo um ataque de asma e pânico”, lembra.
Os amigos de Alessia tem pedido respeito e silêncio com a esperança de revê-la o mais rápido possível. Há muitos ‘colegas’ influenciadores que continuam a compartilhar a cada hora a notícia da prisão em Teerã, e também há os temem atrapalhar as negociações diplomáticas.
Os amigos também pedem para que não sejam feitos julgamentos sobre Alessia. “Não acreditamos que Alessia desejasse todo esse interesse em sua esfera privada. Muito menos sua família. Pelo que sabemos, os jornalistas estão estacionados do lado de fora da casa dos pais de Alessia e também estamos recebendo mensagens de jornalistas de diferentes jornais para ‘entrevistas’ ou reconstruções. Não há nada a acrescentar, ninguém sabe o que aconteceu, o que se sabe já foi dito… todo o resto são suposições”, disseram amigos à Ansa.
“Não acreditamos que ela gostaria de ver os seus tutoriais de como fazer um turbante no noticiário e não acreditamos que ela gostaria de ler comentários vulgares e ignorantes sob os artigos em que ela fala sobre sua história. Também temos certeza de que Alessia não queria que os iranianos fossem confundidos com seu governo teocrático, sobre isso ela foi categórica”.
Natural de Roma, a italiana é uma nômade digital e viaja pelo mundo desde setembro de 2016. Ela posta registros de suas viagens no perfil @travel.adventure.freedom, no Instagram, para mais de 48 mil seguidores.
“Sempre adorei viajar. Mas, honestamente, não foi esse o motivo que me levou a sair. Eu vivia a clássica vida monótona feita de trabalho, rapazes, algumas saídas com os amigos e depois trabalho de novo. Decidi sair, antes de tudo, porque queria tentar algo diferente”, disse Alessia ao site Mangia, Vivi, Viaggia.
No mesmo texto, Alessia conta que também quis viajar para enfrentar o medo da solidão. “Queria elevar minha autoestima e provar a mim mesma que podia fazer isso em qualquer situação. No final, consegui mesmo. Saí com uma passagem só de ida para Melbourne, na Austrália”, disse.
Ao longo dos anos, Alessia morou em albergues, hostels e chegou a trabalhar em fazendas para economizar dinheiro e continuar viajando. Ela também realizou trabalhos voluntários em alguns países. Além do Irã e Austrália, ela passou por países como Paquistão, Sri Lanka, Islândia, Índia, México, Guatemala e Honduras.

Antes de ser presa, a italiana fez um post no Instagram em que reflete sobre a chegada dos 30 anos, sendo sete deles na estrada, além de relembrar os anos como viajante. “Quando olho para trás, parece que foi ontem que carreguei minha primeira mochila nos ombros, para chegar à terra dos meus sonhos, a Austrália. Na época eu tinha acabado de completar 24 anos, enquanto hoje tenho 30. Prometi a mim mesmo que aos 30 eu teria parado, e agora cheguei até hoje e me pergunto ‘estou pronto para parar?’. De jeito nenhum”.
“Esses anos foram os mais lindos da minha vida, os mais vividos, onde aprendi e desaprendi tanto, onde conheci pessoas e amigos maravilhosos, e onde descobri a verdadeira beleza do nosso planeta. O mundo e seu povo me deram mais do que eu poderia desejar, dia após dia, ano após ano. Sinto-me carregado de uma energia que não consigo mais conter só para mim, mas sinto a necessidade de compartilhá-la com outra pessoa”, escreveu.
Por fim, Alessia revela ter decidido retornar ao Paquistão para ajudar a reconstruir uma vila após uma enchente atingir o país e deixar mais de 365 mil pessoas sem casas. “Não sou pedreiro, não tenho a menor ideia de como reconstruir uma casa, mas até meus sonhos já me pareceram impossíveis. […] ‘Faça um desejo’, Hanieh gritou comigo enquanto eu soprava as velas. Desta vez não precisei pensar nisso, tenho um sonho pronto na cabeça e no coração: reconstruir uma vila no Paquistão. E sabe qual é a coisa mais absurda? Eu já sei que vou conseguir”.
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