Um vídeo publicado nas redes traz dados sobre as funcionalidades do cabelo crespo Além de uma marca étnica, o cabelo crespo também teve um importante papel evolutivo. A descoberta veio da tentativa de os cientistas compreenderem por que, ao longo do tempo, os seres humanos perderam os pelos do corpo, mas não o cabelo.
Pesquisas envolvendo manequins térmicos e amostras de cabelos variadas concluíram que o cabelo é um mecanismo do organismo para manter a temperatura corporal adequada — e, quanto mais crespos, mais eficientes os fios são nesse sentido.
É o que mostra um estudo realizado por pesquisadores da Universidade Estadual da Pensilvânia (EUA) e pela Universidade de Loughborough (Reino Unido), publicado em abril no periódico científico Proceedings of the National Academy of Sciences (PNAS).
“Confirmamos que o cabelo reduz o ganho de calor pela radiação solar e encontramos um efeito na morfologia do cabelo. Nossos resultados mostram que cabelo crespo oferece proteção mais efetiva ao couro cabeludo contra a radiação solar e minimiza a necessidade de suar para evitar o ganho de calor”, afirma o artigo.
Esse também é o tema de um vídeo publicado por Kananda Eller em suas redes na última segunda (24). “O nosso cabelo pode ter ajudado nossos ancestrais a se manterem mais frescos e sobreviverem em regiões quentes”, afirma ela no vídeo.
Kananda, química e mestranda em Ciências Ambientas na USP, atua na internet como divulgadora científica, produzindo conteúdos relacionados a questões étnicas e raciais. Mas essa jornada começou antes mesmo de ingressar na universidade, quando passou por um quilombo educacional (pré-vestibular social), onde começou a discutir o racismo e questionar sua relação com a própria negritude.
“Sempre tive dificuldade de aceitar meu cabelo, minha cor e meus traços, porque, desde pequena, aprendi que isso era ruim. Então, fazia tudo o que podia para negar essas minhas características de mulher negra”, conta Kananda em entrevista exclusiva a Caderno de Moda.
Como cientista, a esperança dela é que o vídeo seja uma contribuição na luta contra o racismo, ao mostrar a funcionalidade do cabelo crespo, historicamente tachado de “ruim” e “exótico”. Mas ela entende que a questão não se resume à ignorância.
“Acredito que não é um problema de desinformação, mas de toda uma estrutura. Essa nossa concepção das culturas negra, indígena etc. está estruturada no currículo escolar, nas universidades e na mídia. É isso que mantém a relação de opressão entre pessoas brancas e não-brancas, que vem do período da escravização e perdura até hoje”, diz.
Para Kananda, ainda há um longo caminho pela frente no universo da beleza, que, segundo a cientista, precisa se tornar mais inclusivo. “Vejo que tivemos uma grande evolução. Hoje existem diversos produtos para cuidar do cabelo crespo, e não só alisá-lo. Precisamos continuar. Precisamos que mulheres negras estejam desenvolvendo esses produtos, para que eles sejam mais efetivos”, acrescenta.